Quem precisa circular pelo interior do país verifica que um número crescente de restaurantes de beira de estrada cobram pelo uso de suas instalações sanitárias, não estando claro se a medida afeta apenas aquelas pobres almas compelidas a satisfazerem suas necessidades fisiológicas em momentos e locais inoportunos ou também os frequentadores assíduos (o que justificaria forte ação dos órgãos de defesa dos consumidores de cerveja).
A fim de colocar a questão no devido contexto histórico, cumpre lembrar que o pagamento pelo uso dos sanitários públicos – as famosas sentinas que podiam acolher simultaneamente usuários de ambos os sexos, em geral de classe mais baixa e escravos – foi instituído há quase dois milênios pelo imperador Tito Flávio Vespasiano diante da necessidade de reequilibrar as finanças romanas após as loucuras de Nero. A medida provocou fortes reações por parte dos cidadãos que já pagavam pelo banho, mas a nova cobrança deu origem, no direito tributário, ao princípio ainda vigente do “non olet” (não fede), significando que é válido taxar até mesmo as atividades menos nobres – como ainda ocorre com a prostituição na Alemanha.
Verdade também que, apesar da presença de ratos, baratas e outros bichos nessas latrinas coletivas – ou quem sabe por causa disso –, a deusa romana da Fortuna era pintada nas paredes de muitas sentinas, servindo como uma espécie de “anjo da guarda” para aqueles que delas se valiam. E, mais recentemente, já houve tempos de maior generosidade em que o poder público atendia gratuitamente aos necessitados mediante os elegantes pissoirs que tanto alívio trouxeram a nossos avôs. Nada que se compare, obviamente, com esses cubículos que as autoridades fornecem hodiernamente por ocasião de grandes eventos e cujas características claustrofóbicas impedem o desfrute de alguns minutos de lazer e reflexão.
O que há de novo no Brasil é que as necessidades básicas têm um custo diferenciado, aparentemente proporcional ao tempo que cada qual delas exige para ser atendida em condições normais. Entretanto, tendo em conta ser quase impossível executar o imperativo chamado de número 2 sem o acompanhamento do número 1, não fica claro se o usuário, pagando pelo mais caro, também será cobrado pelo outro, o que sem dúvida configuraria abuso de poder econômico.
De todo modo, mesmo não ocorrendo a dupla cobrança, é controversa a forma pela qual essa nova classe de empresários do setor de AFE (Atendimento Fisiológico Emergencial) deve determinar os valores a serem pagos por cada usuário. Em tese, tudo estaria resolvido caso existisse um odorímetro capaz de registrar a ocorrência do evento mais dispendioso e de transmitir a informação ao responsável pelo estabelecimento. É notável a façanha científica do pesquisador dinamarquês Ole Fanger ao definir um “olf” (termo derivado não de seu nome mas da palavra latina olfactus) como “o odor emitido por uma pessoa sentada que toma aproximadamente 0,7 banhos por dia, tem 1,8 metros quadrados de pele, goza de boa saúde e trabalha num escritório ou local similar não industrial.” No entanto, não há consenso nos meios científicos com respeito a quantos “olfs” terá emitido aquele filho da mãe que me precedeu no banheiro do aeroporto, e nem existe um aparelho capaz de resistir continuamente às exigências da função requerida.
Nessas condições, economistas de primeira linha foram consultados com vistas a fixarem os parâmetros para a cobrança em questão, estando suas recomendações listadas abaixo juntamente com as objeções de outros economistas de escol (confirmando que essa gente não se entende nem nas horas de maior agonia):
- com base exclusiva na declaração do ex-necessitado ao sair. É bem sabido que, na iminência de um descontrole esfincteriano, parcela importante da população se mostra propensa a pagar o que for exigido pelo acesso imediato a um vaso sanitário; mas se sabe também que, aliviadas as tripas, a consciência consequentemente passa a pesar bem menos, com o que não seria digna de crédito a mera declaração do usuário;
- mediante a presença de funcionário que acompanhasse o cliente durante o processo. Apesar de preciso, o método é pouco indicado devido à exiguidade do espaço utilizado, sendo que a presença de um observador se revela fisicamente impossível no caso dos equipamentos em que a pessoa defeca de pé (as bacias turcas. também chamadas em certas regiões de “privada-de-freira”). Outro inconveniente de tal solução é o custo da mão de obra, sobretudo porque os encarregados da fiscalização sem dúvida reivindicariam na Justiça pesada taxa de insalubridade;
- pela supressão do papel higiênico, que só seria fornecido a pedido expresso do interessado. Vale lembrar que os romanos usavam os tersórios, esponjas do mar que, presas a um cabo de madeira, eram usadas coletivamente – cáspite! – após rápido mergulho na água que vinha dos banhos contíguos às sentinas. Mas, sem instrumental adequado para tais situações, possivelmente continuaria prevalecente o uso do dedo ou de retalhos de jornal como se pode observar em muitas “facilities” espalhadas por todo o território nacional;
- instalando um sistema pelo qual a descarga só poderia ser acionada após uma inspeção visual para fins de determinação do preço certo. Embora aparentemente viável, a solução se mostraria pouco eficaz na prática pois é bastante comum faltar água na maioria dos banheiros dos estabelecimentos em causa, impedindo a confirmação da ocorrência mais recente.
Em conclusão, à luz de suas complexas implicações tecnológicas, trata-se de um problema merecedor de maiores investigações, mas que, numa primeira abordagem, parece justificar a arraigada preferência nacional por mijar nos muros e cagar no mato.
Por Jorio Dauster