Publicado em 1845, no mesmo ano em que O corvo (The Raven) garantia a fama de Edgar A. Poe (1809-49) como poeta, este conto levou muitos leitores a escreverem para o autor na crença de que se tratava de uma história verídica. Esse feito de prestidigitação em que o ficcional ganha foros de realidade, já comparado ao golpe de gênio de Orson Welles ao convencer seus ouvintes radiofônicos de que a Terra estava sendo invadida por marcianos, é a melhor prova da qualidade literária de Poe, que, apesar de ter tido uma vida curta e trágica, se destacou como poeta, crítico literário e contista, além de ser reconhecido como “pai” das histórias de detetive.
Os fatos no caso do sr. Valdemar situa-se na encruzilhada de dois caminhos que Poe soube trilhar como poucos – o da ficção de cunho científico e o do horror – ao indagar o que aconteceria a um doente terminal submetido à técnica da mesmerização. Por um lado, a verossimilitude do relato é obtida pelo uso do estilo seco, impregnado de termos técnicos, que se aproxima de um genuíno relatório médico na precisão com que vai apresentando o quadro clínico do paciente com absoluta objetividade.
Por outro lado, tal como ocorre hoje com histórias baseadas em clonagem e outras técnicas da bio-engenharia, o efeito do conto em muito se deveu à influência que exerciam à época as doutrinas e práticas de Franz Anton Mesmer (1734-1815), não apenas sobre o leitor, mas também sobre o próprio Poe, que nelas se baseou para escrever duas outras peças de ficção. Precursor do hipnotismo, Mesmer havia postulado a existência de um certo “magnetismo animal”, desenvolvendo a partir dele métodos de cura que lhe valeram o apoio de Maria Antonieta e Luís XVI quando se estabeleceu junto à corte em 1777. (Mais tarde, como suas idéias foram criticadas por um comitê da Academia Médica de Paris de que faziam parte Lavoisier e o dr. Guillotin, Mesmer voltou à região do lago de Constance onde nascera, quem sabe evitando assim o mesmo fim trágico que tiveram os soberanos e o matemático no aparelho propugnado pelo outro membro daquele seleto grupo de acadêmicos.)
A brilhante combinação de estilo e tema chega ao ápice exatamente na última cena do conto, de grande poder gráfico. É natural que o leitor moderno, tornado blasé por tê-la visto em tecnicólor e com sofisticados efeitos especiais, não se deixe impressionar tanto, mas sem dúvida saberá imaginar o que sentiu um fã de Poe, 159 anos atrás, tendo de visualizar o desenlace à luz de uma vela bruxuleante. Não é à toa, aliás, que o caso do sr. Valdemar já recebeu dois tratamentos cinematográficos: Two Evil Eyes (1991) e The Mesmerist (2002).