Nos próximas dias e semanas certamente leremos dezenas de eulogias a Philip Roth, sem sombra de dúvida um dos maiores nomes da literatura em língua inglesa da segunda metade do século passado. Além das queixas por jamais ter sido agraciado com o Prêmio Nobel (o que o põe na companhia dignificante de Borges e Nabokov, para só citar dois de meus autores prediletos), não há como deixar de estudar suas reflexões incessantes e dolorosas sobre a identidade dos judeus na sociedade norte-americana. Como descendente de avós que chegaram aos Estados Unidos paupérrimos e sem falar uma palavra de inglês, de pais que já haviam se adaptado externamente aos hábitos locais mas falavam ídiche em casa e frequentavam as sinagogas, Roth buscava a aculturação total, que implicava o abandono de rituais religiosos, de costumes seculares, de um modo de pensar que ele julgava confinador. Os conflitos de que daí decorreram, inclusive devido à hostilidade que lhe devotavam os segmentos mais conservadores da comunidade judaica, gerou uma série de livros brilhantes, a começar pelo revolucionário O complexo de Portnoy.
Deixando aos críticos literários a tarefa gigantesca de lidar com uma personalidade vulcânica, refletida em sua intrincada vida conjugal, vou apenas repassar aqui rapidamente as seis obras dele que tive o prazer de trazer para o vernáculo, estimulando o leitor brasileiro a lê-las ou relê-las.
Em Indignação, seu penúltimo romance, escrito em 2008, um jovem estudante judeu de Newark vai para um universidade em Ohio a fim de escapar do pai sufocante, um açougueiro kosher que teme neuroticamente os perigos que a vida adulta guarda para o filho. Lá, o protagonista se apaixona por uma moça que já tentara o suicídio e tem embates cada vez mais violentos com as autoridades universitárias, em especial por quererem obrigá-lo a frequentar os serviços religiosos quando ele se declara ateu. Finalmente expulso da universidade, é recrutado pelo Exército e, meses antes de completar vinte anos, morre na guerra da Coreia. Escrito numa prosa simples e direta, Roth mostra como as escolhas impetuosas de um jovem raivoso podem ter consequências trágicas quando ele não consegue se fazer compreender pelos adultos que o cercam.
Nêmesis retrata o drama de um jovem que é responsável pelo pátio de recreio de uma escola num bairro judeu de Newark e vê seus pupilos ameaçados por uma brutal epidemia de poliomielite no verão de 1944, quando não havia vacina paa tal doença e suas vítimas morriam ou ficavam aleijadas. Os dilemas existenciais e religiosos que o protagonista enfrenta se multiplicam quando ele próprio fica enfermo e imagina que infeccionou algumas crianças de quem cuidava numa colônia de férias. Roth aqui, mais uma vez, nos põe magistralmente diante das fragilidades da condição humana.
Os fatos e Patrimônio, escritos respectivamente 1988 e 1991, são obras autobiográficas que revelam muito sobre o caráter e personalidade do autor. No primeiro, Roth descreve sua infância segura nas décadas de 1930 e 40, sua educação universitária, o relacionamento tempestuoso com a primeira mulher, seu embate com a comunidade judaica por causa dos primeiros livros. Patrimônio, ao relatar as doenças que afligem seu pai idoso, conduz inevitavelmente a uma profunda análise sobre o relacionamento dos dois e as indignidades que a medicina moderna impõe aos que precisam cuidar de seus enfermos e moribundos. Houve páginas que traduzi com os olhos marejados de lágrimas – e duvido que o leitor escape incólume de uma narrativa tão incisiva.
O professor do desejo, de 1977, é um mergulho burlesco em todas as fantasias sexuais de David Kepesh (um dos alter egos de Roth), que, na faculdade, se considerava “um libertino entre os doutos, um douto entre os libertinos”. Mas, obviamente, há muito mais que erotismo nessas páginas vívidas de Roth.
Por fim, Quando ela era boa (publicado originalmente em 1967), é um melodrama de família que, em muitos aspectos, se baseia na experiência de Roth com sua primeira esposa, uma típica WASP (branca, anglo-saxã, protestante). É também o único livro do autor em que o personagem principal é uma mulher, no caso uma figura insuportavelmente moralista que termina por se destruir ao tentar reformar todos os homens a seu redor.
Por Jorio Dauster