Nabokov – Entrevista com André Di Bernardi

Nabokov – Entrevista com André Di Bernardi

 

1 – Como você tomou conhecimento da obra de Nabokov? Lolita é o melhor, ou o mais importante livro do autor?

Minha paixão por Nabokov nasceu com a primeira leitura de Lolita lá pelo final da década de 60 do século passado. Uma vez fisgado, parti para conhecer toda a obra de Nabokov, valendo-me do fato de que o próprio autor e seu filho cuidaram de verter para o inglês os muitos livros escritos originalmente em russo. Na grande cordilheira Nabokov, os pontos culminantes são Lolita e Fogo pálido, mas há outras belas montanhas como Pnin, Ada e O Dom e inúmeras colinas dignas de serem escaladas.

 

2 – Quais dificuldades você apontaria para se fazer uma  boa tradução? Em Lolita você encontrou alguma dificuldade específica? (A propósito, uma belíssima tradução). Gostaríamos de saber também um pouco sobre sua formação acadêmica e profissional. Quantos livros você já traduziu, etc.

Para fazer justiça a uma boa obra de ficção, o tradutor tem de conhecer muito bem a língua de origem e ainda melhor a de chegada. Quando se trata de um autor tão complexo quanto Nabokov, verdadeiro ourives literário, acredito que se exige do tradutor uma relação de verdadeira devoção, pois, se ele estiver buscando apenas uma fonte de renda, faria melhor indo vender sanduíches naturais na praia. Sou diplomata de carreira e, depois de aposentado, consultor independente de vários grupos empresariais. Já traduzi dezesseis livros, dos quais três do J.D.Salinger (O apanhador no campo de centeio, Nove estórias e Carpinteiros, levantem bem alto a cumeeira/Seymour, uma apresentação, os dois primeiros em co-tradução) e oito de Vladimir Nabokov, o último dos quais, Ada or Ardor, recém-lançado pela Companhia das Letras.

 

2 – Lolita extrapolou o âmbito meramente literário. O “termo” Lolita tornou-se hoje quase que um adjetivo. Podemos afirmar que a personagem tornou-se um mito? Por que isso ocorreu? Em que medida a força de uma obra de arte pode influenciar o comportamento de toda uma geração?

Lolita é uma belíssima obra de arte, mas seu imenso sucesso sem dúvida se deveu ao fato de tratar de uma relação pedofílica que chocou uma sociedade marcada pelo puritanismo. O nome da personagem feminina acabou se transformando num substantivo empregado em todo o mundo para significar aquela menina-moça carregada de sexo que o próprio Nabokov chamou de “ninfeta”, palavra também de uso comum nos dias de hoje. Assim, não diria que Lolita se tornou um mito, e sim o símbolo do relacionamento entre um homem maduro e uma mulher bem mais moça. Felizmente, porém, não creio que tenha influenciado o comportamento das gerações seguintes, pois a menina do livro só tinha doze anos e o relacionamento nele retratado é muito cruel.

 

3 – Quem seria o Nabokov atual?

Sou um leitor inveterado, mas não um crítico literário, e por isso não me aventuro a fazer este tipo de especulação. De toda forma, não conheço nenhum autor vivo que exiba algo semelhante ao estilo e riqueza vocabular de Nabokov.

 

4 – As transposições para o cinema de Lolita ficaram boas?

O próprio Nabokov escreveu o roteiro do primeiro filme, embora tenha descoberto depois que Kubrik tomou grandes liberdades com seu texto. Pessoalmente, não conheço um único caso em que a película cinematográfica preencheu plenamente o espaço emotivo e intelectual criado por um grande livro. As duas transposições de Lolita não foram exceção.

 

5 – As obras de Nabokov têm bom trânsito na Rússia? O fato dele escrever em inglês influenciou o seu estilo?

Membro de uma família de grandes aristocratas, Nabokov foi obrigado pela revolução comunista a escapar da Rússia e se refugiar na Alemanha, onde viveu até as vésperas da Segunda Guerra Mundial, quando acabou conseguindo partir para os Estados Unidos com a mulher e o filho. Durante a fase européia do exílio, já se havia firmado como um grande escritor em russo, mas obviamente suas obras não podiam ser publicadas na então União Soviética. Chegado ao outro lado do Atlântico, realizou o feito único de destacar-se também como grande escritor na língua inglesa, tendo mais tarde traduzido para este idioma os livros escritos em russo. Conquanto houvesse aprendido inglês na infância e cursado a universidade na Inglaterra, seu estilo naquele idioma tem elementos de grande originalidade — mas dizem que isso também se aplica aos escritos em russo…

 

6 – Que autores foram influenciados e quais influenciaram Nabokov?

Nabokov conhecia profundamente toda a literatura russa, francesa, inglesa e alemã, de tal modo que se abeberou de inúmeras fontes. Era também um homem extremamente opiniático, o que o fazia, por exemplo, desprezar Dostoiévski e Thomas Mann, enquanto manifestasse grande admiração, entre outros, por Tolstói, Flaubert, Kafka e Joyce. Muitos escritores atuais revelam grande admiração por Nabokov, tendo John Updike sido seu aluno na universidade.