1 . Poderíamos começar falando sobre o processo contra a Denise. Há quanto tempo você acompanha o caso? Como surgiu a ideia de lançar um manifesto de apoio a ela? Qual é o objetivo deste abaixo assinado?
Acompanho a Denise já há alguns anos, desde que ela fez as primeiras denúncias de plágio na área de traduções. Acho que ela própria, à medida que se enfronhou no assunto, ficou tão surpresa quanto eu com a extensão e sistematicidade do furto de propriedade intelectual perpetrado por algumas editoras. Hoje, com a ajuda de outros pesquisadores, foram identificadas com precisão dezenas de assaltos que constam do blog por ela criado “naogostodeplagio”. Como em muitos casos os tradutores originais estão mortos, eu já caracterizei esses editores como ladrões de sepulturas, quando poderia também chamá-los de ladrões de galinha porque eles buscam apenas se esquivar de pagar um ou dois mil reais pelo trabalho honesto de intelectuais competentes. Mas o cúmulo dos cúmulos é quando essas editoras fajutas, como já ocorreu no passado e ocorre agora com a Landmark, decidem processar a autora da denúncia, exigindo dela somas astronômicas que arruinariam qualquer pessoa em sua condição e querendo amordaçá-la pela retirada do blog da internet. Diante desse uso arrogante do poder econômico, em conversa com Heloisa Jahn surgiu a ideia de levar a público nossa indignação mediante um abaixo-assinado em que outras pessoas pudessem também expressar sua opinião. Ivone Benedetti instrumentou a iniciativa redigindo o manifesto e sugerindo que o lançássemos por via eletrônica, tudo isso endossado pelo Ivo Barroso. Mil e seiscentas assinaturas em 48 horas mostram que o brasileiro está enfarado com tanta gatunagem e impunidade.
2 . No blog “naogostodeplagio” a Denise aponta uma série (enorme!) de obras que, segundo ela, seriam plágios. No entanto, o que se percebe é que na maioria dos casos nenhuma providência é tomada. Na tua opinião isso reflete um descaso da justiça com esse tipo de crime? Existem buracos na legislação? As pessoas preferem não denunciar para não se incomodar?
Não sou especialista em direitos autorais e, por isso, deixo a outros o comentário sobre a legislação vigente. Mas o fato é que Denise envia as evidências de plágio para o Ministério Público e, ao que eu saiba, ninguém foi indiciado. Do mesmo modo, essas evidências foram enviadas a muitas instituições culturais, como a Academia Brasileira de Letras, mas até hoje não registramos nenhuma ação efetiva contra os meliantes. Sem dúvida existe uma inércia ou acomodação que exemplifica essa resignação nacional diante da falcatrua, mas creio que falta também quem se disponha a apresentar causas válidas e mobilizar a opinião pública sem buscar se aproveitar disso para fins financeiros ou políticos.
No caso esspecial das traduções, há também certos problemas de caráter técnico. O plágio banal, muito usado por aqui, consiste simplesmente em copiar o texto e atribuí-lo a uma pessoa real, um laranja literário, ou a um nome fictício (havendo fantasmas desse tipo com dezenas de obras importantes no seu portafólio). No entanto, o que já exige um conhecimento mais técnico, abundam as paráfrases, em que o “outrora” do texto original se transforma em “no passado” ou coisa do gênero. Nesses casos, contudo, como o fantasminha não conhece a língua do autor ou nem se deu o trabalho de ler o texto-mãe, é possível descobrir a fraude inclusive pela reprodução de erros cometidos pelo primeiro tradutor. Há instâncias hilárias, em que um “pato” que devia ser “ganso” sobrevive cinquenta anos depois na novíssimaversão de uma obra clássica.
3 . O plágio das obras se infiltra, inclusive, no meio universitário, sendo usada como referência bibliográfica em muitos textos e trabalhos acadêmicos. Qual é o papel do professor nesse caso? Seria também responsabilidade do docente “vigiar” as publicações que costuma indicar aos seus alunos?
Obviamente, as edições de origem criminosa, como muitas vezes têm a ver com as obras antigas que estão na base da cultura ocidental, são usadas nas universidades e estão presentes nas grandes bibliotecas. No entanto, não seria justo esperar que um professor de literatura, com seus mil afazeres, possa verificar se a tradução com que trabalha é honesta ou não, sobretudo porque a versão original está fora de circulação há décadas ou foi publicada em Portugal.
4 . Quais medidas devem ser tomadas para que esse tipo de plágio não continue acontecendo?
Nos Estados Unidos, uma editora apanhada com a boca na botija teria de fazer o seguinte: a) pôr para fora os executivos culpados da maracutaia; b) pedir perdão público; c) comprometer-se a substituir todos os exemplares “sujos”, inclusive os já presentes nas bibliotecas, por livros em que conste o nome do tradutor original ou contenham nova tradução: e d) recompensar corretamente os tradutores ludibriados. No Brasil, até que atinjamos um padrão democrático superior, sugiro que comecemos fazendo algo que só depende de cada um de nós: informar-se sobre quais são as editoras bandidas e jamais voltar a comprar um livro delas.