ATENDIMENTO FISIOLÓGICO EMERGENCIAL

(Revista Piauí, n. 79, abril de 2013)

Como se pode ver acima, multiplicam-se nos dias de hoje os registros de estabelecimentos no interior do país que cobram pelo uso de instalações sanitárias, não estando claro se a medida afeta apenas aquelas pobres almas compelidas a satisfazerem suas necessidades fisiológicas em momentos e locais inoportunos ou também os fregueses dos bares e restaurantes (o que justificaria forte ação dos órgãos de defesa dos consumidores de cerveja).

A fim de colocar a questão no devido contexto histórico, cumpre lembrar que o pagamento pelo uso dos sanitários públicos – as famosas sentinas que acolhiam simultaneamente usuários de ambos os sexos – foi instituído há quase dois milênios pelo imperador Vespasiano diante da necessidade de reequilibrar as finanças romanas após as loucuras de Nero. A medida provocou fortes reações por parte dos cidadãos que já pagavam pelo banho, mas a nova cobrança deu origem, no direito tributário, ao princípio ainda vigente do non olet (não fede), significando que é válido taxar até mesmo as atividades menos nobres – como ainda ocorre com a prostituição na Alemanha. Não obstante, já houve tempos mais generosos em que o poder público atendia gratuitamente os necessitados mediante os elegantes pissoirs que tanto alívio trouxeram a nossos avós. Não contam, obviamente, esses cubículos que as autoridades fornecem hodiernamente por ocasião de grandes eventos e cujas características claustrofóbicas impedem o desfrute de alguns minutos de lazer e reflexão.

O que há de novo no Brasil é que as necessidades básicas têm um custo diferenciado, aparentemente proporcional ao tempo que cada qual exige para ser atendida em condições normais. Entretanto, tendo em conta ser quase impossível cumprir o primeiro daqueles imperativos sem o acompanhamento do segundo, não fica claro se o usuário, pagando pelo mais caro, também será cobrado pelo outro, o que sem dúvida configuraria abuso de poder econômico.

De todo modo, mesmo não ocorrendo dupla cobrança, é controversa a forma pela qual essa nova classe de empresários do setor de “atendimento fisiológico emergencial” determina os valores a serem pagos pelo usuário. Em tese, tudo estaria resolvido caso existisse um odorímetro capaz de registrar a ocorrência do evento mais dispendioso e de transmitir a informação ao responsável pelo estabelecimento. É notável a façanha científica do pesquisador dinamarquês Povl Ole Fanger ao definir um olf como “o odor emitido por uma pessoa sentada que toma aproximadamente 0,7 banho por dia, trabalha num escritório e goza de boa saúde”. No entanto, não há consenso nos meios científicos com respeito a quantos olfs terá produzido aquele filho da mãe que me precedeu no banheiro do aeroporto, nem existe um aparelho capaz de resistir às exigências da função requerida.

Nessas condições, economistas de primeira linha foram consultados com vistas a fixar os parâmetros para a cobrança em questão, estando suas recomendações listadas abaixo juntamente com as objeções de outros economistas de escol (confirmando que essa gente não se entende nem nas horas de maior agonia):

1) Com base exclusiva na declaração do ex-necessitado ao sair. É bem sabido que, na iminência de um descontrole esfincteriano, parcela importante da população se mostra propensa a pagar o que for exigido pelo acesso imediato a um vaso sanitário; mas se sabe também que, aliviadas as tripas, a consciência consequentemente passa a pesar bem menos, com o que não seria digna de crédito a mera declaração do usuário.

2) Mediante a presença de funcionário que acompanhasse o cliente durante o processo; apesar de seguro, o método é pouco indicado devido à exiguidade do espaço utilizado, sendo que, no caso dos equipamentos em que a pessoa obra de pé (chamados em certas regiões de “privada de freira”), a presença de um observador se revela fisicamente impossível. Outro inconveniente de tal solução é o custo da mão de obra, sobretudo porque os encarregados da fiscalização sem dúvida reivindicariam na Justiça pesada taxa de insalubridade.

3) Pela supressão do papel higiênico, que só seria fornecido a pedido expresso do interessado. Tratar-se-ia de um método promissor caso não fosse tão prevalecente em tais situações o uso do dedo ou de retalhos de jornal, como se pode observar em muitas facilities espalhadas por todo o território nacional.

4) Instalando um sistema pelo qual a descarga só poderia ser acionada após uma inspeção visual para fins de determinação do preço; embora aparentemente viável, a solução se mostraria pouco eficaz na prática, pois é bastante comum faltar água na maioria dos banheiros dos estabelecimentos em causa, impedindo a confirmação da ocorrência mais recente.

Em conclusão, à luz de suas complexas implicações tecnológicas, trata-se de um problema merecedor de maiores investigações, mas que, numa primeira abordagem, parece justificar a arraigada preferência nacional por se mijar nos muros e cagar no mato.